26 de julho de 2011 (dia dos avós)
Nasci na casa dos meus avós maternos, em Vila Flor, a mais bela das vilas de trás-os-montes, com a ajuda de uma parteira, era assim naquele tempo...
Fui crescendo sob a vigilância disciplinadora dos meus pais temperada pela vigilância serena e protetora desses extraordinários avós.
Se à sorte da vida muito pouca coisa devo; sinto-me recompensado, gratificado e feliz por ter podido crescer
junto dos melhores avós que qualquer criança poderia desejar.
Eram almas simples que despontavam a cada gesto a cada carícia noite após noite quando carinhosamente me
obrigavam a com eles tomar o chá, aquecido nas brasas da lareira, tudo como se de um ritual se tratasse. Depois era o momento do deitar precedido das rezas das quais a
minha avó não prescindia nem transigia.
Da missa de domingo e outras celebrações litúrgicas nunca era dispensado.
Minha avó, costureira de profissão, sempre tinha que costurar até tarde da noite à luz do candeeiro de petróleo.
Meu avô era carpinteiro, nos baixos da casa tinha a sua
oficina e esse dizia a minha avó era o sitio dos homens;
a cozinha era o mundo das mulheres onde jamais me
permitiu sequer ajudar a descascar batatas, o que fez de
mim um inutil, em termos culinários.
Ao invés, com o meu avô fui aprendendo a usar o serrote,
o martelo, a inchó, a plaina e mais importante ensinou-me a ver e apreciar as madeiras, a acaricia-las como se fossem os versos que pela noite me cantava acompanhando-se
á guitarra.
Com ele também aprendi a dedilhar a viola, mas cêdo vi
que aí não tinha futuro, quando comparado com o seu virtuosismo. Eu desculpava-me com o facto de ele saber
lêr musica e por carolice tocar na banda da terra.
Nunca na minha vida vi ou ouvi uma discussão entre aqueles dois velhos, o que era anormal ao tempo, anos sessenta...
Meu avô tinha sido um homem muito viajado, no período
da primeira guerra mundial serviu no exército em
Moçambique e no pós guerra chegou a clandestinamente ter emigrado para França, por pouco tempo, pois era homem que não se dava a viver longe da família.
Por vezes contava-me das suas viagens e experiências, mas
da guerra, jamais aceitou falar ou explicar porque foi condecorado.
Pelo meio das conversas vinham sempre os seus conselhos cheios de filosofia que jamais esqueci: que para em paz viver três coisas tinha de saber e respeitar: ser paciente
com as autoridades, com os amigos e com as mulheres.
A última vez que nos vimos, entre um beijo e um abraço,
que ele dizia ser o último nesta vida, (eu rapaz com menos
de quinze anos, orfão de pai, partia para Angola), vieram
os conselhos mais importantes que alguém me podia dar: respeita sempre tôdo o ser humano, não avalies as pessoas de animo leve, elas são como o vinho, não é no primeiro copo
que se conhece, e nunca te esqueças que só tens dois grandes amigos para toda a vida...
No idealismo e pureza dos meus quase 15 anos respondi:
és tu e a avó.
Ele respondeu-me não.
Nós pouco tempo temos e tu estarás muito longe...
Os dois amigos com que poderás sempre contar são os teus braços...
Com um cálice de geropiga caseira fez questão de brindar ao meu futuro, o dele seria realmente muito curto.
Poucos anos depois chegou telegrama de minha mãe que dizia: teu avô morreu.
Mas não foi só o meu avô que morreu, com ele morreu o que
para mim foi o Homem mais calmo, tranquilo e simples
que na vida conheci.
Com ele aprendi os afetos e o perdão e que chorar pode não
fazer um homem duro mas fá-lo seguramente mais humano.
Com os seus conselhos também aprendi que realmente
os meus grandes amigos têm sido os meus braços, mas
sempre têm ficado na vida uns poucos amigos verdadeiros, que ele me ensinou a respeitar e estimar mesmo na diferença
de opiniões.
Agora, avô que sou, de três netos maravilhosos, mas por
vezes difíceis, acalento a secreta esperança de que quando
um dia, tão longínquo quanto Deus permitir, o meu tempo
terminar, tenham motivos para sentirem o orgulho e o
afeto que pelo meu avô sinto.
Então... esteja eu onde estiver, serei feliz.
Aos meus avós e aos meus netos
deixo o meu abraço e o meu afeto.
João Quitério
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