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segunda-feira, 18 de julho de 2011

O JOÃO E EU, o rasteirinho

( rasteirinho no meu melhor: o descanso)




O João e a Maria, começaram por me  chamar  rasteirinho ; não tenho linhagem aristocrática  canina definida, sou entroncado  de patas muito curtas,mas sou valente e bom companheiro.

Tive em tempos outro nome que  quero esquecer,  como pretendo esquecer aquela noite fria de inverno, quando há seis anos, meus primeiros donos me abandonaram na rua porque a minha aparência possivelmente  não correspondeu à que de mim esperavam.
Atitude desumana,  desleal e irresponsável.
Ah!... Os humanos... com que facilidade se descartam dos seus companheiros de estimação e amigos como se de lenços de papel se tratasse...

Mas eu tive sorte! Fui-me insinuando á porta da garagem do João e comecei brincando com o vaidoso do caniche preto, que eles tinham, e que por sinal era bom rapaz, e me foi dando umas dicas de como conquistar as graças dos que  haveriam de me acolher.

Comecei por me banquetear juntamente com o Black, comendo da sua ração, mas eu dormia na rua, até que numa noite fria e chuvosa,  já muito tarde o joão me disse: vá,  entra lá seu vadio se não morres de frio, e afinal é Natal... Mas é só hoje,  amanhã faz-te á vida...

Rasteiro e silencioso instalei-me debaixo da bancada da electrónica  em um tapete de alcatifa fôfa.
Que rica noite sem frio eu passei...
E a esse dia seguiu-se outro dia, e ao outro dia seguiram-se  outros dias, e aos dias seguiram-se
semanas, meses e anos e entretanto o black morreu;  de velhice, ouvi dizer que tinha 12 anos e já estava cego.
Este foi um dia triste para os meus novos donos. Aos olhos deles vi assômar umas gotas de água a
que os humanos chamam lágrimas... E quando o black expirou uma última vez e o João lhe disse: adeus companheiro, fiquei tôdo arrepiado e triste pois também eu tinha acabado de perder um companheiro e um amigo, apesar de algumas lutas que travámos em tempos idos.

Eu entretanto, finório que sou, se já estava instalado no espaço fisico, dos que considerava meus novos donos, fácil foi insinuar-me e instalar-me devagarinho nos seus corações e se não esqueceram o black, pelo menos suavizei a sua perda e por aqui fiquei e aqui me mantenho dando mostras da minha amizade e lealdade.
Toda a gente deixo entrar... mas se eles não estiverem, os estranhos, não deixo sair...
Tornei-me lentamente importante, de forma  que sou sempre apresentado aos familiares e amigos como um companheiro desta boa gente.

Temos dias, em que o João e eu estamos sós a maior parte do tempo, e ao fim da tarde quando a Maria chega é para mim uma festa em volta do carro e só páro de ladrar quando se baixa para me fazer um
carinho que eu retribuo.

Com o João  aprendi a escutar  e a deliciar-me, com a música que seleciona e passei a compreender  os grandes silêncios em que mergulha pensando no que há-de escrever,  nas injustiças da humanidade e da vida, nos problemas que lhe surgem, nas contrariedades.
Ah! mas também tem partilhado comigo algumas alegrias.
Fui eu o primeiro de todos a saber que através dessa coisa do blog iria transmitir  aos que o amam, estimam e apreciam, as suas ideias, o seu pensamento e o conhecimento da vida.

Desde aquele Natal, sempre estive e estou com ele.
Fui também um dos primeiros seus amigos  a conhecer a sua revolta quando há alguns meses, em pleno sabado á tarde foi despedido por telefone do emprego que mantinha há mais de dez anos.
Juntos temos vivido lutas e canseiras, ilusões e desilusões, numa amálgama de sentimentos que fazem os humanos infelizes...

Mas como na vida  nem tudo é mau, para mim tem a vantagem de agora o ter diáriamente comigo. Assim temos mais tempo para nos comunicarmos, e sempre o acompanho ao café logo cêdo para tomar o seu cimbalino; eu, espero-o á porta e regresso com ele à oficina e por ali me mantenho.
Por vezes dou uma ruada, na urbanização à procura de garinas...
O meu amigo João  nunca me prendeu, porque o que mais odeia são grilhetas, acha que todos devem ser livres e livres viver; e estar enquanto querem e partirem quando o desejarem.

Nestes tempos que por aqui estou também  já lhe conheci momentos de alegria.  Quando as filhas e netos o visitam; aí, fica possuído duma alegria calma e radiante,  que transmite num pequeno sorriso, que só eu e poucos mais   conhecemos.
Alegria e satisfação, também percorre o seu semblante quando os amigos vêm de visita, sobretudo aqueles que em tempos melhores vinham e em tempos piores  voltam,  e a quem, por vezes, brinda com uma ou outra peça do artesanato por si criado a partir de materias reciclados. Aneis, brincos e porta-chaves que eu vejo; encantam quem os recebe e quem os dá.

Com ele aprendi que a palavra amigo tem um significado de inauguração, diria mesmo de festa  muito profunda; e perdoem-me os seus humanos amigos, tenho consciência, que de todos, eu sou o primeiro
e o mais leal, mas isso é a  vantagem da condição inata dos da minha espécie... e isso não se discute.

E assim, entre a electrónica, o artesanato e a escrita, vou olhando e apreciando este homem que teima
em ser meu compaheiro e não meu dono.
Com ele vou partilhando as alegrias, as dúvidas e incertezas; mas sobretudo a esperança e a fé, que o levam a frequentemente  a olhar o céu e a murmurar:  mesmo se caído, continuarei a olhar as estrelas...
E isso  amigos,  ninguém lhe poderá tirar... Ninguém lhe poderá negar.

Com uma patada amiga e o meu afeto,

(Rasteirinho)



(este artigo  é dedicado a todos os que  nunca abandonam os animais)

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