mar de Leça da palmeira - foto vortex |
Lembras-te Maria, daquela tarde fresca de outono em que pegando-te na mão te disse:
Não vou fingir mais, nem ocultar a fome que sinto de ti,
que me arde no peito e o meu olhar denuncía?...
Anda, vem comigo!
Caminhemos juntos na procura do tempo...
Tu respondeste decidida e firmemente:
vamos! e sem olhares para trás puseste a tua mão na minha e não me seguiste; antes me acompanhaste, lado a lado como naus que partem rumo à descoberta...
Eramos livros já lidos, com páginas viradas e amarrotadas mas tinhamos o saber de quem já conhecia as dificuldades que surgiriam na caminhada...
Contei-te das minhas vitórias e derrotas dizendo-te, somos de barro,
mas embora de barro partido, ajudemo-nos... juntemos os sentimentos enquanto é tempo...
E o tempo não é eterno...
Eterno apenas poderá ser o amor que consigamos encontrar no
tempo que se abre à nossa frente...
E foi...
Então foi esse o primeiro dia do resto das nossas vidas, e nas nossas vidas tens sido a Dulcineia que pacientemente acompanha este D. Quixote sem armadura, sem montada e sem espada,
dividido entre a realidade e o sonho, num combate entre os afetos e infortúnios que os nossos olhos vêem... e o mundo assolam.
Era um fim de tarde e o sol escondia-se lá longe no mar calmo
e tranquilo de Leça irradiando uma luz avermelhada que nos encantou e que tomaste como bom presságio; e ali, tendo apenas a natureza como testemunha com um terno beijo selamos o nosso compromisso.
Ficar juntos enquanto houver amor!...
Enquanto não houver dôr!...
Não mais!...
Não menos!...
Vivermos na expectativa de conseguirmos plantar um jardim e com ele adornar as nossas almas sem esperar e sem saber se a vida nos ía oferecer flores...
Fomos plantando o nosso jardim, e como (peixes) que somos, pacientemente navegámos em mares de calmaria e por vezes cavalgámos ondas revoltas mas sempre mantivemos o rumo com o olhar fixo no longe e na miragem, no sonho, no amor e no afeto que nos impulsionou... e nos mantém juntos.
Mais tarde, juntos e sós, naquele hospital vivemos aquela negra noite em que perdemos o nosso projecto de bébé, a flôr nossa, que faltou no jardim onde já existiam o teu cravo e as minhas duas rosas.
Lembro-me da tua tristeza, mas aprendemos, não haver na vida saudade maior e mais dolorosa do que a saudade do que era para ser e não foi... como disse Pessoa.
Maria, parece que tudo começou ontem... mas não, faz dezasseis anos!...
Dezasseis anos que passaram rápidos como estrela cadente sintilante que rasga o céu por sobre o mar iluminando o espaço e ignorando
o tempo.
...E agora voltamos ao mesmo local e como se o tempo tivesse parado te digo novamente: anda, vem comigo...é que ainda não morreu em mim a fome que sinto de ti e que me arde no peito...
Anda, vem comigo...
...E eu seguro de que vens estendo-te a mão e seguiremos novamente como ano após ano o fazemos.
Enquanto houver amor!...
Enquanto não houver dor!...
Não mais, não menos...
É que ambos somos almas apreciadoras do tudo ou nada...
E meios termos não se nos aplicam...
Anda, vem comigo!...
Com o meu amor e o meu afeto.
João Quitério
Outubro de 2011